ABC - DOMINGO
28 de dezembro de 2003


Memórias de adolescente fujão

Luís Augusto Fischer

Tem uma cena que todo mundo gostaria, secretamente, de viver ao vivo. Vê se não é: a gente entra num ônibus para uma viagem de algumas horas, ou em um avião, e intimamente reza para que sente ao nosso lado uma pessoa interessante, quem sabe uma mulher charmosa que nos dê bola, no caso masculino. No fundo, a gente gostaria de corre o risco de uns momentos de amor, de paixão. Uma aventura, enfim.
Episódio assim ocorre com um personagem muito bem desenhado, protagonista do romance que leva seu nome, Juliano Pavollini, de Cristovão Tezza (editora Rocco). O menino Juliano, criado em família interioriana, pai ultra-severo, foge de casa no dia emq eu seu pai morre e ele completa seus 16 anos. Foge para a capital do Estado, Curitiba, foge do horizonte opressivo que tinha diante de si, foge para tentar alguma coisa melhor, talvez algo que se assemelhe aos enredos cheios de peripécias dos livros que gosta de ler.
E ocorre então a ele o tal episódio: mal entra no ônibus, ele um adolescente orelhudo e desajeitado, senta a seu lado uma mulher sensual, chirosa e, para cúmulo, atenciosa ao extremo. Ela se compadece do menino, percebe que ele está fugindo, alimanta-o na longa viagem. E ali começa a nova vida do ingênuo e tímido Juliano, que vai morar com ela. Ela é dona de um prostíbulo e, vamos saber depois, está em processo de ascensão social e sonha em educar o jovem fujão a seu modo, para que ele seja... dela.
Narrado em primeira pessoa, numa linguagem bem tramada, o romance faz Juliano contar sua história desde aquela vida miserável de que esacapou até o presente, em que está preso (o crime saberemos só no final) e sendo atendido por uma psicóloga, a quem ele relata por escrito seu processo de descoberta do mundo, dos prazeres da carne, do primeiro e verdadeiro amor, das inimizades, da cidade. Um belo romance de formação.




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