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O fotógrafo
Thiago Corrêa

Instantes entrecruzados

A fotografia tem o poder de eternizar o instante. Perpetua os vacilos da alma, um sorriso, uma lágrima, desconforto, insegurança, uma surpresa. Um momento curto, que passaria desapercebido, não fosse congelado pelo click do fotógrafo. É um recorte, uma revelação capaz de transformar um papel em branco em história, assim como a literatura.

Cristovão Tezza percebeu isso e escreveu O fotógrafo, uma pérola da ficção nacional recente, devidamente reconhecida pelas críticas elogiosas da imprensa e pelo bom desempenho nas principais premiações do país, sendo eleito o melhor livro de 2005 pela revista Bravo! e a melhor obra de ficção de 2005 pela Academia Brasileira de Letras, além de conquistar o 3o lugar do Prêmio Jabuti na categoria romance e ser um dos finalistas do Portugal-Telecom de Literatura Brasileira.

A narrativa se passa em Curitiba, num único dia da vida de cinco personagens, durante a campanha presidencial de 2002, polarizada por Lula e Serra. Um dia com todas as trivialidades do cotidiano de uma pessoa comum, mas com clima de decisão para o fotógrafo, sua esposa Lídia, a modelo Íris, o professor Duarte e sua mulher, a psicóloga Mara. Eles pressentem que algo está por vir, suas vidas estão no limite do suportável, estagnadas na rotina da família e do trabalho. Precisam de uma desculpa para voltar a sentir as incertezas do amanhã.

Sentindo-se uma peça deslocada do tempo em que vive, tanto pelo estágio terminal do seu casamento, quanto pelo avanço da tecnologia digital, o fotógrafo vê-se diante da sua oportunidade ao ser contratado para secretamente tirar fotos de Íris, que assim como a íris dos olhos, passa a regular a entrada de luz na mente do fotógrafo, ora escurecendo com a culpa de uma mentira, ora iluminando esperanças com sua beleza. Já a modelo encontra, na visita inesperada do fotógrafo, forças para retomar a faculdade e deixar de vez a vida sustentada pelo sexo. Enquanto isso, Lídia descobre ter sido aprovada no mestrado, o professor Duarte começa um caso com uma aluna e Mara, as voltas com os relatos de uma paciente, lembra um amor do passado.

Ao imergir no universo de cada um, através de seguidos fluxos de consciência, que misturam caoticamente fragmentos de recordações, esperanças e angústias, enquanto reagem a um simples panfleto recebido na rua, Tezza consegue revelar a essência dessas pessoas, afundadas na mais absoluta solidão.

Mas o que poderiam ser histórias independentes de sonâmbulos vagando pelas ruas de Curitiba, presos em seus próprios pensamentos, é na verdade uma rede de narrativas independentes que se cruzam. O grande mérito do autor está aí. Com o cuidado de dar significado a cada sinal gráfico e um incrível domínio da linguagem, Tezza utiliza a falsa terceira pessoa, onde, apesar do narrador ser externo, o desenvolvimento dos fatos ocorrem de acordo com o olhar dos personagens, possibilitando, assim, que o leitor acompanhe um mesmo fato através de pontos de vista diferentes, num interessante jogo de conexões, como os filmes de Quentin Tarantino (Cães de Aluguel, Pulp Fiction e Jackie Brown).

Thiago Corrêa
lido em Fev./Mar. de 2006
escrito em 12.03.2006


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