Revista VEJA
24 de agosto de 1988 - p. 123


MUNDO FEROZ

TRAPO, de Cristovão Tezza; Brasiliense; 208 páginas; 2210 cruzados.

O universo dos escritores brasileiros de ficção é formado por alguns nomes há muito consagrados, uma legião de estreantes que geralmente não saem dessa condião, param no primeiro livro, e raros casos de autores que se configuram como promessas concretas de literatura. O catarinense Cristovão Tezza, de 36 anos, pertence a esse último grupo. Em Trapo, seu sexto livro e segundo lançado por uma grande editora, ele mostra, primeiro, estar no caminho certo para a construção de um estilo próprio. Segundo, que é dono de uma narrativa saborosa e envolvente.

Trapo é um romance de tintas naturalistas construído ao estilo rude e direto dos escritores americanos da geração beat - Charles Bukowski seria o par natural do autor nesse sentido. Seus personagens parecem habitar um mundo feroz em que a mesquinharia se sobrepõe à virtude, os diálogos são rápidos e francos, às vezes patéticos, e a existência é quase sempre colocada como algo inapelavelmente ridículo. Tezza, porém, não copia simplesmente essas lições da literatura americana. Ele a transpõe, e de maneira bem elaborada, para um ambiente brasileiro, mais precisamente de Curitiba, onde mora desde os anos 70. O resultado é um texto com sabor regional, que lhe confere originalidade.

O livro é centrado no personagem Trapo, um jovem poeta viciado em drogas e bêbado. Certo dia, ele se suicida e deixa inéditas centenas de páginas de um livro. A dona da pensão onde ele morava encontra os escritos e os entrega a um professor aposentado, Manuel, que começa a investigar a vida do poeta, os motivos de seu suicídio e se mete numa grande aventura. Com a evolução da história, cresce o contraste entre a personalidade conservadora do professor e o mundo de Trapo, que o envolve e surpreende. "O objetivo do romance é mostrar a dignidade das pequenas coisas, tirar a grandeza da miudeza", define Tezza, que leciona Língua Portuguesa na Universidade Federal do Paraná e tem um passado de aventureiro - já foi marinheiro da Marinha mercante, relojoeiro, hippie e ator amador. Com Trapo, ele marcha em direção a um posto entre os bons ficcionistas nacionais da nova geração.


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