Zero Hora
Porto Alegre, 12 de agosto de 2012


Arqueologia de um escritor

O premiado autor Cristovão Tezza percorre sua trajetória literária no ensaio "O espírito da prosa"

Carlos André Moreira

Consolidado como um dos romancistas de referência do Brasil contemporâneo, o catarinense radicado em Curitiba Cristovão Tezza deixa a ficção temporariamente de lado para tentar responder a uma das mais espinhosas perguntas postas a qualquer escritor: o que o leva a escrever?

O resultado dessa investigação ao mesmo tempo literária e biográfica é o instigante ensaio O Espírito da Prosa, mais recente livro do autor do premiado O Filho Eterno.

O Espírito da Prosa – Uma Autobiografia Literária é um ensaio no qual Tezza aborda (em tópicos muitas vezes cortados por referências colaterais entre parênteses) seu percurso pessoal e artístico e o modo como as ideologias e os impulsos de seu tempo foram absorvidos ou ignorados por ele enquanto era um jovem autor em formação, produzindo romances não publicados ou, se publicados, hoje alvo de impiedosa autocrítica.

— Quando comecei a mexer no baú de velharias da minha memória, não estava tão interessado em saber no que eu fracassei nos primeiros livros do ponto de vista técnico, mas com que sistema de valores estava trabalhando para escrever o que escrevi — explica o autor, em entrevista por telefone.

Tezza reconstitui brevemente sua infância em Santa Catarina; a mudança para o Paraná ainda cedo, após a morte do pai; seus primeiros contatos com o guru local da contracultura W. Rio Apa, de quem se tornou discípulo declarado; seu envolvimento com um grupo de teatro dirigido pelo mestre em Antonina; uma passagem por Portugal. Em um lance que faz do ensaio literário quase um romance de formação, Tezza também analisa como essas experiências, moldadas pela atmosfera que o circundava, plasmaram-se em suas primeiras tentativas ficcionais: dois livros que permaneceriam inéditos, o volume de contos A Cidade Inventada, escrito em Coimbra, e o romance O Terrorista Lírico.

— A literatura não é apenas um jogo formal, em que você domina uma técnica e daí conta uma história ou faz literatura. Ela sintetiza uma visão de mundo, e esse ponto de vista narrativo que você institui quando escreve recebe ecos poderosos do meio ambiente cultural. Eu queria, então, levantar de onde haviam vindo as ideias desses livros e fui lá buscar uma arqueologia do ideário que eu estava tentando imitar ou recriar — diz Tezza.

Embora corrente na tradição anglo-saxã, o livro de Tezza é de um tipo ainda raro no cenário contemporâneo: o testemunho de um escritor que examina, ao mesmo tempo, um tema e a relação da própria consciência com o objeto em uma prosa literária e de leitura prazerosa. Ex-professor universitário, Tezza não deixa de fora nem barateia questões prementes do discurso sobre literatura no Brasil — analisa o isolamento da universidade no período posterior ao golpe militar e enxerga, na atmosfera de ávida desconstrução do período, os motivos da ruptura entre escritores brasileiros de sua geração e a tradição romanesca anterior.

— Uma das questões que eu queria responder no meu livro era por que, ali entre os anos 1970 e 1980, o romance praticamente desapareceu no Brasil, com exceção de nomes intermediários ou da geração mais antiga, herdeiros de uma tradição romanesca anterior — comenta.


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