GAZETA DO POVO
Curitiba, 22 de junho de 2003



Curitiba abriga conferência mundial sobre Bakhtin

Diálogos sobre a linguagem
Obra do filósofo e teórico literário russo será debatida no Colégio Estadual

Luís Henrique Pellanda

A partir do dia 21 de julho, o Colégio Estadual do Paraná vai abrigar a 11.ª Conferência Internacional sobre o filósofo e teórico literário russo Mikhail Bakhtin, morto em 1975. O evento será promovido pela Fundação Araucária, pelo Programa de Pós-Graduação em Letras, pelo Setor de Ciências Humanas e pelo Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná. Durante cinco dias, coordenados pelo professor Carlos Alberto Faraco, acadêmicos e estudiosos vão se reunir em Curitiba para discutir os mais diversos aspectos presentes na obra do pensador e, segundo Faraco, "divulgar suas investigações mais recentes na área". Sobre o assunto, já foram inscritos 180 trabalhos, 80% deles de autoria de professores universitários. Os outros 20% foram escritos por alunos de programas de doutorado nacionais ou estrangeiros.

Para os leigos, é necessário explicar quem foi Bakhtin e qual a importância de seu pensamento dentro das universidades do mundo todo. Nascido em 1895, em Oriol, passou boa parte de sua vida estudando e viajando pela Rússia. Formou-se em História e Filologia na Universidade de São Petersburgo e dedicou-se, principalmente, a uma longa série de pesquisas teóricas nos campos da literatura e do discurso. Em vida, devido à constante perseguição que lhe moveu o regime stalinista soviético, publicou apenas dois livros, estudos clássicos sobre a obra dos escritores Dostoiévski e Rabelais. Mais tarde verificou-se a existência de vários outros textos legitimamente bakhtinianos que, na época, haviam sido editados sob a assinatura de outros intelectuais russos - como Voloshinov e Medvedev, integrantes de um grupo hoje intitulado "Círculo de Bakhtin". Mesmo que ainda não tenha sido inteiramente aceita como verídica pelos estudiosos, tal estratégia se justificava perfeitamente, pois, na década de 30, Mikhail Bakhtin, que já não possuía uma saúde das melhores, chegara a ser preso e deportado para o Cazaquistão. O exílio durou seis anos.

O escritor catarinense Cristovão Tezza, há décadas radicado em Curitiba, fará a palestra de abertura da conferência internacional. Discorrerá sobre a "autoridade poética", um aspecto da obra de Bakhtin que, de acordo com o romancista, ainda tem sido pouco estudado. Durante o evento, Tezza também planeja lançar, pela editora Rocco, a sua tese Entre a Prosa e a Poesia: Bakhtin e o Formalismo Russo. Para Cristovão, tudo o que o teórico russo escreveu vem passando por constantes reavaliações no que se refere à abrangência de sua interpretação. "Até os anos 80 e 90, Bakhtin era visto essencialmente como um teórico da literatura, criador de uma teoria do romance", lembra. "Mas hoje, de fato, ele tem sido visto como um pensador, alguém que, através do estudo da literatura, deu um salto para pensar questões fundamentais da filosofia e da linguagem." A relevância de seus trabalhos, segundo Tezza, deve-se à constatação de que eles "abriram muitos caminhos na área da linguagem, em especial, e das ciências humanas, em geral."

Faraco, que também lançará um livro durante a conferência (Linguagem e Diálogo: as Idéias Lingüísticas do Círculo de Bakhtin, Criar Edições), explica que Bakhtin, basicamente, era um filósofo. "Todo trabalho que ele produziu era uma reflexão filosófica sobre arte, literatura e linguagem", diz. Portanto, seus livros podem ser consumidos por qualquer pessoa interessada em questões literárias. Mas adverte: "Sua obra é de natureza filosófica. Não é um modelito prêt-à-porter."

Livros e palestrantes

* Entre os conferencistas internacionais convidados para vir a Curitiba estão Marie-Pierrette Malcuzynski, da Universidade. de Varsóvia; Tatiana Bubnova, da Universidade Nacional Autônoma do México; e Nikolai Pankov, da Universidade Estatal M. V. Lomonosov de Moscou.

* Entre os brasileiros, destacam-se Paulo Bezerra, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, principal tradutor das obras do Círculo de Bakhtin para o português; Solange Jobim e Souza, da PUC do Rio de Janeiro, que tem desenvolvido reflexões de natureza metodológica para a área de Ciências Humanas baseando-se no pensamento de Bakhtin; Cristovão Tezza, da Universidade Federal do Paraná, romancista autor de Trapo e de Juliano Pavolini, e co-organizador da coleção de estudos que comemoraram no Brasil o centenário de nascimento de Bakhtin em 1995.

* Quatro livros serão lançados durante a 11.ª Conferência Internacional sobre Bakhtin.
Linguagem e Diálogo: As Idéias do Círculo de Bakhtin, de Carlos Alberto Faraco (Criar Edições); Entre a Prosa e a Poesia: Bakhtin e o Formalismo Russo, de Cristovão Tezza (Editora Rocco); Ciências Humanas e Pesquisa: Leituras de Mikhail Bakhtin, organizado por Maria Teresa Freitas, Sonia Kramer e Solange Jobim e Souza (Editora Cortez); e uma nova tradução para o português do livro de Bakhtin Estética da Criação Verbal (Editora Martins Fontes), feita, diretamente do russo, por Paulo Bezerra.





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