ENTRE A PROSA E A POESIA:


Bakhtin e o formalismo russo

Cristovão Tezza é um autor respeitado não apenas pela alta qualidade de seus romances, como A suavidade do vento, Juliano Pavollini e Ensaio da Paixão. Se sua ficção enriquece a literatura brasileira, seus trabalhos acadêmicos estimulam o debate literário. Além de grande escritor, Tezza é um estudioso das letras. É com essa autoridade que ele agora apresenta ao público Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo, sua tese de doutorado, defendida em 2002 na Universidade de São Paulo. Transformado em livro, o trabalho será lançado no dia 22 de julho, terça-feira, às 17h, no salão nobre do Colégio Estadual do Paraná - onde estará ocorrendo a XI Conferência Internacional sobre Bakhtin, entre os dias 21 e 25 de julho - em Curitiba. Co-organizador do evento, Tezza fará a conferência de abertura.

Mikhail M. Bakhtin (1895-1975), figura cultural importante na Rússia dos febris primeiros anos pós-Revolução, deixou importantes escritos sobre ética, estética, epistemologia, linguagem e literatura, principalmente. A interpretação de sua obra, no entanto, é quase um enigma, não só por ele oferecer visões nada tradicionais destes assuntos, mas também por ser composta de muitos textos inacabados, com datação imprecisa, lançados fora da ordem cronológica. Além disso, seu pensamento só foi valorizado tardiamente, quando Bakhtin já não tinha saúde para ajudar a elucidar suas questões tão inovadoras.

Tezza se atém a um dos aspectos mais fascinantes de Bakhtin: sua filosofia da linguagem, que serve de base para uma compreensão extremamente complexa e original da literatura. O diferencial de Bakhtin é que, mais que um teórico da literatura, ele foi um filósofo do tema, daí a beleza e a profundidade de seu pensamento. Em meio aos diversos textos do estudioso sobre o discurso romanesco, Tezza identificou uma intrigante teorização sobre a prosa e a poesia. Na verdade, a poesia não foi objeto de estudos específicos de Bakhtin, mas Tezza a vê nas entrelinhas de toda a discussão do russo sobre o romance. O desafio do novo livro de Tezza é desvendar os conceitos de prosa e poesia segundo Bakhtin, que enxergava uma divergência sócio-ideológica na fronteira entre os dois estilos.

Primeiro, Tezza introduz o leitor à obra de Bakhtin, levantando seus temas principais e traçando paralelos fundamentais entre seu trabalho e sua vida, o que é importante para compreender por que sua visão da poesia foge completamente à maneira como ela foi vista ao longo do século XX. Em seguida, Tezza investiga como os poetas vêem a poesia e de que maneira eles acham que ela se diferencia da prosa. Para essa análise, Tezza considera, sobretudo, os trabalhos de T. S. Eliot, Ezra Pound, Paul Valèry, Manuel Bandeira e Mário de Andrade. Feito isto, o autor apresenta o ponto de vista do conjunto de teóricos conhecidos como os "formalistas russos", que foram os primeiros a propor, de modo consistente, uma abordagem científica do fenômeno poético e das questões da linguagem. Esta foi uma das grandes referências de Bakhtin, o grande contestador do formalismo russo. Por fim, Tezza esmiuça o pensamento de Bakhtin, em busca do ponto em que seu conceito de poesia subverte a visão tradicional que se tem dela. Para comprovar sua tese, Tezza analisa poemas de Carlos Drummond de Andrade, como amostras exemplares da eterna guerra e do ponto de encontro entre os dois gêneros em questão.
Com este brilhante trabalho acadêmico, o prosador Cristovão Tezza engrandece a poesia.



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