Gazeta do Povo - Caderno G
Curitiba, 8 de agosto de 2004


Erotismo implícito
Escritor prepara o lançamento do romance
O Fotógrafo

Lysandro Bueno Ribeiro e Angela Luvisotto
Especial para o Caderno G

Um olhar sobre solidões. Assim, o escritor Cristovão Tezza define o seu novo romance, O Fotógrafo, que será lançado entre o final de outubro e o início de novembro, pela editora Rocco.

Desde Breve Espaço entre Cor e Sombra, publicado em 1998, até colocar o ponto final (com a caneta, já que manuscreve seus livros) na nova empreitada literária, passaram-se quatro anos, período em que o professor virou doutor em Letras, debruçou-se sobre a obra do pensador russo Mikhail Bakhtin e produziu o ensaio Entre a Prosa e a Poesia: Bakhtin e o Formalismo Russo, lançado ano passado e muito elogiado pela crítica. Nesse intervalo, o mundo assistiu à destruição das Torres Gêmeas em Nova Iorque e prosseguiu, vorazmente, no hábito de consumir milhões de páginas esotéricas e de auto-ajuda. Sobre este último fenômeno, Tezza vaticina: “A razão foi enterrada”. Na entrevista que segue, ele discorre sobre a fé, o terrorismo, o amadurecimento, a paternidade, as questões ligadas à universidade, e claro, sobre literatura e solidão.

Caderno G – Foram quatro anos sem escrever romances, dedicando-se exclusivamente à produção teórica. Nesse intervalo, sentiu alguma mudança no momento de ter voltado à ficção?

Cristovão Tezza – O trabalho teórico é exaustivo, frio, com a exigência de uma responsabilidade lógica interna, substancialmente diferente à da ficção. Encarei-o como uma empreitada e teve uma crítica muito boa. Agora estou curioso com O Fotógrafo, ninguém o leu ainda. Enviei os originais para a minha editora e ouvi dela que é um legítimo Cristovão 2004. Não tirei uma cópia para mim, só quero ver esse livro quando sair. Eu gostei muito, acho que foi um outro momento da maturidade.

Do que trata o seu novo romance, O Fotógrafo?

É a história de um fotógrafo em crise contratado por alguém para fotografar uma moça, e surge nele um problema moral com isso. Tem o ponto de vista dele, da moça, e, num outro momento, a perspectiva da mulher dele, que está apaixonada por outro homem. Esse outro homem e sua mulher, que por acaso é a analista daquela moça, também são focados, totalizando cinco pontos de vista. A história é ambientada em Curitiba num único dia do ano de 2002, nas eleições presidenciais. Tem um gancho sedutor, um hiper-realismo e acho que vai interessar.

No seu último romance, Breve Espaço entre Cor e Sombra, a trama enfocava o mundo da pintura. Agora, a fotografia como tema, o fotógrafo como personagem. Isso tem a ver com seus gostos pessoais?

Sempre fui muito ligado às artes visuais, tanto que, quando eu vivia numa comunidade em Antonina, costumava fazer falsificações de quadros do Matisse, do Van Gogh, do Gauguin, para aprender pintura. Também sou fotógrafo amador e sempre quis escrever sobre o tema, mas não o abordei objetivamente. Um personagem cristoviano acabou tomando conta e a fotografia ficou como um gancho, embora haja duas fotos fundamentais no enredo. O ato de revelar uma imagem está no centro do livro.

Há algo de voyeurista?

Eu já pensei, acho que o livro é inteiro isso. Aliás, a literatura é isso, ficar olhando a vida dos outros. O livro todo é um olhar sobre solidões. É uma história muito sensual, tem um erotismo o tempo todo sem nenhuma cena de sexo. É puramente mental.

Na sua obra, a solidão é um tema recorrente, e o ofício de escrever é um ato solitário, assim como o ato de ler. Você se vê como um homem solitário?

Acho que, num certo sentido sim, um pouco por opção. A solidão deve ser percebida como um traço fundamental da condição humana, o que o nosso sistema cultural faz tudo para obscurecer, induzindo a uma visão dela como a expressão do fracasso. Um dos grandes problemas hoje é que as pessoas têm horror à solidão, porque seu outro aspecto é fonte de angústia, de desespero. Talvez um dos traços fundamentais da literatura é chamar a atenção para o fato de que nós somos sozinhos, e de como podemos construir uma ética e uma vida social com esse dado.

Você é um homem com 50 e poucos anos. Como encara a maturidade e em que perspectiva vê a passagem do tempo? Como você lida com a idéia de envelhecer?

Eu faço um pouco de piada com isso, estou sempre dizendo que estou velho, que já sou um senhor de 51 anos, um homem de idade. Eu não me preocupo com isso, o amadurecimento para mim parece que não é bem um processo mental, ele é talvez um trabalho que eu faça, um livro que escrevo e sinto que está mais maduro. Olhando retrospectivamente, o nascimento do meu primeiro filho talvez tenha sido o fato que realmente me amadureceu em literatura, me colocou problemas, embora eu jamais tenha escrito sobre isso.

E como é o pai Cristovão Tezza? Que tipo de formação, de educação você deu para os seus filhos?

Eu acho que sou um bom pai. Sou muito organizado, sistemático, bem familiar, tenho uma presença grande. Sou arquiconservador do ponto de vista comportamental e muito liberal do ponto de vista de educação. Meus filhos têm uma liberdade que eu nem pensaria em ter, como homem, na minha geração.

Que relação você tem com as religiões, ou, de uma maneira mais ampla, com a fé?

Eu sou agnóstico. Na verdade, sou um ateu, sou materialista, uma postura puramente pessoal, eu não tenho nada contra religiões, mas tenho tudo a favor do Estado laico. Acho que o Brasil, por exemplo, está virando um país que é quase medieval na relação com religiões. A razão foi enterrada. Quando vejo um jogador usando uma camisa com a inscrição Jesus te ama, acho aquilo agressivo, essa sacralização do espaço público. Num outro aspecto, Deus é tão importante que está vivo até hoje, e cada vez mais, há milhões de pessoas que se matam por ele. É um aspecto relevante a se considerar.

Como você vê o fenômeno da literatura esotérica e de auto-ajuda?

Este surto poderoso tem a ver, pensando retrospectivamente, com a minha geração, que tem bastante culpa, porque foi a partir dos anos 60, com aquele culto de contestação da razão, que se foi criando uma cultura naturalista, new age, de defesa da volta às origens, da identificação com o espírito da natureza, o que foi dando, mais ou menos, em Paulo Coelho. É uma volta para uma concepção medieval da literatura, no sentido clássico do termo, em que o texto literário é ao mesmo tempo o texto da sabedoria, da tranqüilidade, da certeza, do ensinamento e deixa de ser a palavra da ambigüidade, da dúvida. A literatura começa a se confundir com o discurso religioso, não é um livro, é o livro. Isso foi uma coisa construída nos últimos 40, 50 anos. O tipo de cultura que foi desmontando o pressuposto racional foi criando este universo que a gente está vendo aí como referência. Agora, é claro, não é um problema literário, é um fenômeno sociológico.

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