Jornal Nota 10 - Jornal Mensal de Educação
Edição de setembro de 2008.


Perfil

Cristovão Tezza

por Lilian Caroline Júlio

Professor na vida real, escritor por devoção. Cristovão Tezza conta que a escolha pela profissão de ensinar aconteceu para que ele pudesse escrever – e se tornar o romancista que é hoje. “Se eu pudesse escolher, escolheria escrever. Mas é muito difícil sobreviver da literatura neste país”.

O mundo das letras

Tezza acredita que se pode ser um grande músico sem conhecer notas musicais, um bom pintor sem conhecer a história da pintura, mas que a literatura não permite isso. “É uma arte que exige muita leitura”. Para ele ser escritor é uma escolha. “Você precisa é querer ser escritor. Não espere que caia do céu: se quer ser escritor, comece a escrever. E agüente o tranco depois, porque não é fácil”.

Nascido em Lages, Santa Catarina, com sete anos veio para Curitiba. A mudança foi provocada pela morte do pai, advogado e professor de educação física. “A vinda para Curitiba foi muito marcante: além de perder meu pai, mudei totalmente o estilo de vida, saí de uma cidade pequena para outra bem maior, de uma casa para morar em apartamento”. Aqui aprendeu a datilografar sozinho, com 13 anos. “Minha mãe me pegou pelo braço e me levou para procurar emprego”. Acabou num escritório de advocacia, para onde ía todas as tardes depois de sair do Colégio Estadual do Paraná. “Eu batia alguns contratos e tinha muito tempo livre – aproveitava cada segundo disponível para ler”.

A paixão da infância? Os livros de Monteiro Lobato. “O primeiro deles foi ‘A Chave do Tamanho’”. Depois do primeiro contato com o autor, devorou tudo o que levava o nome de Monteiro Lobato. “Com 16 anos eu já era um especialista em tudo relacionado a ele. Talvez aí surgiu a minha vontade de escrever”.

Apesar de eclético, Tezza não lê qualquer obra que coloquem em suas mãos. “Tenho uma dificuldade com livros de auto-ajuda e alguns best-sellers”. Mas se apressa em afirmar que cada tipo de literatura tem um papel muito importante na sociedade: a formação de leitores.

O início

No final de 1974, já com a carreira – Letras – escolhida, foi para Portugal estudar na Universidade de Coimbra. Lá descobriu que a universidade estava fechada devido a Revolução dos Cravos, mas isso não o desanimou. “Ir para Coimbra foi apenas um pretexto para sair do país e viajar. Passei um ano fora, conheci novos lugares e li muito – foi um ano muito rico para mim, já que eu estava no olho do furacão da Revolução”. Tanto que, em janeiro de 76, quando a universidade reabriu, Tezza juntou suas coisas e voltou para o Brasil. “Acabei cursando a faculdade aqui na Universidade Federal do Paraná”.

Tezza concluiu o curso de graduação em 1981, mas não parou por aí. Dois anos depois, iniciou sua especialização em Literatura Brasileira pela UFSC, que emendou com um mestrado pela mesma instituição. “Para ser um bom escritor, é necessário ler e estudar bastante”. Ele é a prova viva disso: além do mestrado, é doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP) e possui livros premiados – um deles, “O Fotógrafo”, foi considerado pela Academia Brasileira de Letras o melhor romance de 2004. Seu último livro, “O Filho Eterno”, é finalista do tradicional Prêmio Jabuti.

A vida de escritor

Ele acorda cedo – entre sete e oito horas - para escrever. “Depois dos 50 anos de idade a manhã começou a ser mais produtiva que a tarde”. Tanto suas crônicas e resenhas – destinadas a grandes jornais de circulação nacional – quanto o trabalho em cima de algum novo livro, são feitos pela manhã. À tarde corrige textos e prepara aulas. E, no meio disso tudo, ministra disciplinas na UFPR, dedica atenção aos livros – sua afeição eterna – e reserva um pouco de tempo para o cinema. “Gosto muito de filmes em geral – mas sou viciado mesmo é em internet”. É capaz de passar horas navegando e às vezes precisa ser arrancado da frente do computador pela família. Mas não é chegado em televisão e música.

A excentricidade em não assistir televisão o faz passar por situações constrangedoras. A última delas foi relatada na crônica “A Cadeira de Cleópatra”, publicada na Gazeta do Povo. Tezza conta como tudo aconteceu. “Estava em São Paulo num congresso de literatura e conversava com uma mulher que eu não sabia quem era. Depois que ela foi embora eu fui descobrir que era a atriz Alessandra Negrini, e que ela tinha acabado de fazer o papel de gêmeas numa novela das oito. Sem saber disso, cheguei a perguntar pra ela de qual grupo de teatro ela fazia parte...”

Sobre suas preferências musicais, Tezza diz que não é um ser musical. “Não consigo ler e escutar música ao mesmo tempo, então fico apenas com a literatura”. De vez em quando Tezza se rende a jazz e blues – alguma coisa de MPB também pode entrar no meio. “Mas música, definitivamente, não é a minha área”. Isso fica perceptível pelas estantes de sua sala: ao invés de CDs e DVDs, como a maioria da população, as paredes são todas cobertas por livros.

E livro com capa e contracapa. “O objeto livro é um software fantástico e não foi superado por nada ainda”. Para ele, ter que ler um livro no computador é uma experiência horrorosa. “Às vezes vou fazer uma resenha e recebo previamente o arquivo em PDF para não perder tempo até o livro chegar pelo correio. O que eu leio no monitor se transforma na parte mais chata”. Defende até a última instância o livro objeto: é mais confortável, você lê em qualquer lugar, pode carregar facilmente, é manuseável. “Como objeto ele não tem superação - não inventaram nada ainda que seja realmente funcional como o livro”.

voltar