Folha de Londrina
Domingo, 2 de setembro de 2007.


Cristovão Tezza e a face da eternidade

No livro “O filho eterno”, lançado pela editora Record, autor narra a relação com o filho portador da síndrome de Down

Paulo Briguet
briguet@jornaldelondrina.com.br

“O filho eterno”, de Cristovão Tezza, é um daqueles raros livros que podemos chamar de fundamentais. No sentido mais preciso do termo: é uma obra que desvenda os fundamentos, os alicerces de uma vida. De duas vidas, no caso: o pai e o filho. Duas vidas imersas no tempo, e com visões descontínuas do passado, presente e futuro.

O elemento autobiográfico está presente, de uma forma ou outra, na vida de todo escritor. Em “O filho eterno”, o caráter confessional é absoluto. Tezza fala sobre o filho Felipe, nascido há 26 anos, portador da síndrome de Down.

Catarinense radicado em Curitiba, Cristovão Tezza já havia revelado a segurança e a técnica de um bom contador de histórias em livros como “Trapo”, “Aventuras provisórias”, “O fotógrafo” e “Breve espaço entre cor e sombra”. No novo livro, ele usa toda experiência de ficcionista para retratar uma situação real, sem qualquer vestígio de idealismo.

Tezza consegue contar uma história de amor sem necessidade de pronunciar a palavra. Um autor menos hábil, diante do mesmo tema, descambaria para o sentimentalismo ou o proselitismo politicamente correto. Para felicidade dos leitores, “O filho eterno” jamais se permite ser piegas ou retórico. O que torna a emoção provocada pela história ainda mais profunda e – insisto na palavra – fundamental.

O pai de Felipe é um anti-herói que descobre a si mesmo na tentativa de responder aos enigmas do destino. “Parece que o pai havia entrado em um outro limbo do tempo, em que o tempo, passando, está sempre no mesmo lugar”, diz o narrador, pouco antes de observar que o filho vive todas as manhãs o sonho do eterno retorno.

Ao seguir o conselho do oráculo de Delfos – “Conhece-te a ti mesmo” – o pai de Felipe encontra o que há de mais eterno: o amor.


Entrevista


JL: Quais as diferenças entre o narrador de O filho eterno e Cristovão Tezza?

Cristovão Tezza: O narrador é sempre uma "persona", uma olhar destacado do evento vivo, real, cotidiano das pessoas; é alguém que escolhe o que vê, recorta e interpreta. É, também, alguém que sabe mais do que os seus personagens - o seu olhar já tem o começo, o meio e o fim. Já Cristovão Tezza é um objeto de narração; sobre o seu passado, não há mais nada a fazer – está pronto.

Quando o sr. se sentiu pronto para escrever essa obra libertadora?

Não sei se é “libertadora”. A palavra talvez seja muito forte, e aprendi a desconfiar das palavras retumbantes ou altissonantes demais. Mas talvez a intenção tenha sido essa mesma, me livrar de um fantasma, da idéia de que havia um ponto cego na minha vida sobre o qual eu não poderia escrever. Pois bem, escrevi. O tema começou a amadurecer na minha cabeça nos últimos cinco anos. Nos últimos dois, finalmente o livro tomou forma.

A história da literatura registra vários casos de escritores confessionais: de Santo Agostinho e Rousseau a Henry Miller, Pedro Nava e Kenzaburo Oe. Em que medida o sr. se inspirou nessa tradição?

Gosto muito de literatura confessional, porque ela promove essa fusão de gêneros, o biográfico, o reflexivo e o ficcional, o ficcional não como a "fantasia", mas como a relativização do olhar. Ficcionalizar é, de certa forma, compreender, porque vemos de fora todas as variáveis que estão em jogo nos gestos humanos. Outros livros meus têm essa estrutura confessional, como Juliano Pavollini ou Uma noite em Curitiba. Em O filho eterno coloquei o dado biográfico no centro do texto. Dos autores que você citou, gosto de todos. Nunca pensei numa influência direta, mas certamente são textos que me marcaram.

O tempo é um personagem de O filho eterno?

Não pensei nisso objetivamente, mas acho que sim. A idéia de tempo, quando desprovida de "finalidade" – isto é, na vida da cultura humana nada se dirige necessariamente a lugar nenhum – tem um toque absurdo, uma imensa solidão; é um tema maravilhoso para a literatura. E, claro, o tempo é a percepção do tempo e tudo que vem junto com ele.

Serviço – “O filho eterno”, de Cristovão Tezza. Editora Record, 222 páginas, R$ 34.

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