Escritores mostram o duelo em diferentes épocas, valore e formas
Folha de S. Paulo, Mais!, 5/05/2007


Joseph Conrad é autor da obra-prima em coletânea de contos que mostram a ritualização do desejo de matar e seu fascínio

CRISTOVÃO TEZZA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na dura passagem da barbárie para a civilização, que não se completa nunca, a clássica instituição do duelo vem ritualizando o desejo de matar em torno da noção de "honra". De Aquiles e Heitor diante das muralhas de Tróia, passando pelas liças medievais e pelo tapa de luvas dos dândis do século 19, até a sua proscrição oficial moderna, o duelo, em diferentes épocas, valores e formas, conservou a brutalidade de seu fascínio, que, na literatura, se transforma no fascínio da brutalidade.

Na coletânea de contos "Mestres-de-Armas", organizada e apresentada por Cláudio Figueiredo, encontramos seis exemplos irresistíveis deste fascínio, que são também visões de mundo sobre o papel da honra numa realidade em transformação. Do alemão Heinrich von Kleist (1777-1811), o mais antigo, a Vladimir Nabokov (1899-1977), o mais moderno, entrevemos um espectro da percepção do duelo que toca em dois limites.

No conto de Kleist, um romântico regressivo, o duelar representa a "sagrada sentença das armas, que infalivelmente traria a verdade à luz". Na outra ponta, o século 20, Nabokov só consegue tratar do tema como farsa - "Uma Questão de Honra" é um divertimento em que a sátira impaciente cobre de mais ridículo ainda pessoas já em si suficientemente desprezíveis, que afinal são a matéria-prima do autor de "Lolita".

Em Guy de Maupassant, o tom da sátira não está completamente ausente, mas ela é perturbada pela percepção do absurdo de uma instituição social ainda de peso. No conto do austríaco Arthur Schnitzler - autor admirado por Freud-, morte e sexo são entidades sintomaticamente irmãs; o padrinho de um duelo deve relatar à viúva, por quem ele é apaixonado, que seu marido morreu - aqui, a comédia está ausente.

Mas é nos textos de Ivan Turguêniev (1818-83) e Joseph Conrad (1857-1924) que as cartas são colocadas na mesa na sua dimensão social mais ampla, flagrando o choque entre a "tribo" e a "cidade", por assim dizer - nos dois contos, os duelistas representam polarizações complexas.

Em Turguêniev, o código da honra é a expressão de um ressentimento social, afinal homicida; e no conto de Conrad ("O Duelo"), a obra-prima da coletânea, a possibilidade do duelo transcende seu traço anedótico ou episódico para ganhar uma inquietante permanência em nossa alma, latente ao longo de uma vida inteira, transformado num animal secreto que levamos conosco à espera de uma porta aberta.


voltar