Máximas de Chamfort
Folha de S. Paulo, 30/01/2010

Máximas e pensamentos & caracteres e anedotas, de Chamfort

Uma observação mordaz propagada pelos mexericos da corte consagra o autor e também destrói a vítima

CRISTOVÃO TEZZA

EM "A SOCIEDADE de Corte" (Ed. Zahar), o pensador Norbert Elias ressaltou o papel político fundamental da etiqueta na corte francesa sob Luís 14. Através dela, o soberano manobrava as tensões entre a nobreza e a burguesia, que começava a ocupar áreas importantes do poder. Nos rituais dos salões do rei, ver e ser visto, apresentando-se como um "homem de espírito", no momento em que a Academia Francesa passava a ditar os valores da cultura científica e filosófica, era crucial na luta por cargos e fatias de influência.

É nessa atmosfera do espaço público controlado pelo príncipe que um gênero clássico encontra um habitat privilegiado: o pensamento filosófico fragmentário que se faz por máximas e aforismos. O longo século que terminará com a Revolução Francesa será a época de ouro da frase de efeito, da ironia, do jogo de palavras e sentidos.

É uma forma que surge diretamente da fala em público; uma observação mordaz propagada pelos mexericos da corte consagra o autor e destrói a vítima. Um dos seus grandes mestres no período é Sébastien-Roch-Nicholas, que adotou o nome de Chamfort (1741-1794). De origem pobre, foi um dramaturgo e escritor de sucesso, mas é principalmente lembrado por sua coleção de máximas, agora reeditadas pela editora Martins Fontes.

Chamfort é um crítico agudo dos salões que alimentam seu espírito; de um lado, é um defensor da razão iluminista, que para ele tem a essência natural defendida por Rousseau ("O primeiro dos dons da natureza é essa força da razão que nos eleva acima de nossas próprias paixões"), e de outro, sempre atual, é o irônico moralista da vida em sociedade ("A sociedade é composta de duas grandes classes: os que têm mais jantares do que apetite, e os que têm mais apetite que jantares").

Suas observações políticas são preciosas, como esta que nos serviria plenamente no papel do francês: "O inglês respeita a lei e rejeita ou despreza a autoridade. O francês, ao contrário, respeita a autoridade e despreza a lei".

Naturalmente contraditório, o autor de máximas não se vê constrangido por um sistema filosófico articulado; é o sabor da observação pessoal momentânea que vale; daí porque o mesmo Chamfort que num momento cultua o povo, ressoando os novos tempos ("Fala-se em estudar os interesses dos príncipes: será que ninguém nunca fala em estudar os interesses do povo?"), em outro sente o perene desprezo aristocrático pela massa ("O público não consegue elevar-se senão às ideias baixas"). Além de mestre do epigrama, Chamfort também pode ser lido como um cronista; nos seus "caracteres e anedotas", que fecham o volume, tem-se um fino (e desencantado) retrato dos valores morais da corte a caminho da Revolução.


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